domingo, 21 de outubro de 2012

Caminhei, caminhei... Dias passaram sobre meus pés...









Flap flap... Swish... Splash.


Swish flap... Swish swish...


Flap... Flap... Flap...


Créck Splash!



Olá lama... Nos encontramos novamente...



Plash plash... Flap... Flap flap...


Swish swish swish...



Splash!




Não, lama... Não posso ficar...




E ergui-me novamente... Ou tentei... Novamente...



Não entendia... Não sabia... Mas acreditava não ter esquecido. Não. Eu não sabia.

Andar era algo praticamente novo naquele momento.


Andar... Ao menos conhecia aquela palavra, e tinha a imagem de pernas movendo-se alternadamente em contato com o chão...


Chão... Lama... Sim, devia ser a lama...


Não posso, lama. Tenho de andar.



Andar... Lama... Cada puxada de perna, ela parecia me puxar também. E sem equilíbrio acabava me enterrando nela... Novamente.

Não queria abandoná-la... Ela não me abandonaria... Mas eu tinha de seguir em frente.


Pus-me em pé novamente. Equilibrada notei minhas pernas. Tortas. Os pés apontando para dentro... Tremendo... Ajeitei-as, equilibrei-me.


Fah...


Virei meu rosto para cima. As folhas mais altas mechiam-se, mas menos estranhamente.


Não... Ainda não é longe o suficiente.




Flap flap flap... Swish swish flap...


Créck... Flap... Swish swish...


Flap... Swish... Swich...






Créck...




Swish swish...



Swish swish swish swish swish...




?




Swish... Swish...



Splash! Flap flap swish swish swish... Swish swish...




Créck...



Créck créck créck créck créck splash!



Swish... Swish swish swish swish swish swish swish swish...

Hah swish hah swish hah swish hah swish...


!




Splash!






Uma... Pessoa... ?





Ficamos paradas. Eu em pé. Ela sentada na lama apoiada nas mãos... Assustada. Encolhida. Ofegante. Paralisada. Enlameada... Uma jovem descalça de vestido rasgado e cabelos surrados com folhas secas penduradas...

Ví uma fumaça escura pairar um pouco abaixo da minha visão... Saía de mim... Toquei meu corpo com uma mão... A fumaça voltou e fechou o buraco rapidamente... Ela... Havia me atravessado.. ? Sim. Eu a vi. Ela olhava para trás até um pouco antes do encontro... Mas eu vi... Dois ou três homens à puxando para si... Rindo... Gargalhando... Veio uma pancada e a escuridão crescente... Uma visão?


Ela me olhava. Não sabia o que fazer. Ou eu quem não sabia?

Estava aterrorizada. Não eu, ela... Ou era eu?

Confuso... Não conseguia parar de olhar para ela, para seus olhos arregalados. Algo neles me prendia e enchia o vazio que eu era... Mas eu não queria... Parte de mim não queria os sentimentos que talvez fossem dela. Não eram meus... Mas...



Por quê? Por quê ela estava ali?

Quem era ela...?

O que ela queria ali...



Tremendo... Eu estava... Tremendo. Violentamente. Ou era o que eu sentia... Talvez ela não estivesse me vendo tremer... Não. Ela me via... Olhei minhas mãos. Mesmo com uma visão tremida e falha consegui notar uma oscilação diferente nelas, e quando me voltei para a jovem nos olhos, consegui me ver como se fosse ela...


Ela... Estava mais calma e apenas me observava atenta... Sem medo.


Medo...


Dor...


Muita dor...

Dor... Dor!... DOR! Queimando... MUITO... O corpo... INTEIRO... QUEIMAVA... Por dentro...


Pus as mãos na cabeça... Apertei... Apertei muito...

Minhas pernas não quiseram mais me manter em pé... Caí dura...

Retorci-me no chão... Pernas se entortaram umas sobre as outras... O corpo inteiro dobrava sobre ele mesmo... Nem com a lama deu para sentir qualquer alívio interno...


POR QUÊ?

Por quê...



E ela... Não fugia... Só ficava ali, me olhando... Mas... Algo a fez se encolher um pouco, algo que viu atrás de mim.


Atrás...


Tentei torcer minha cabeça na tal direção... Dois homens... Ou três. A visão falhava... Havia um machado... Cordas...


Machado... ? ... Corda? Eu não sabia aquelas palavras... Talvez soubesse... Ou fosse parte dos sentimentos da jovem...


O que estava acontecendo...?


Reconheci o primeiro homem da visão que tive...




Quente... Muito quente...






Fugir...











FUGIR!


Tentei erguer-me para sair dali, mas meu corpo não respondia como deveria...


Caí na lama... De novo... E de novo...


De novo...




De novo...





Alcancei a raiz de uma árvore e olhei para cima esperando por uma resposta dela... Suas folhas mexiam-se no alto como se gritasse para as outras pedindo ajuda por mim...

Estiquei uma mão para tocar seu tronco...




Chop!




A dor cessou...



Tudo girou... Fiquei por ver o primeiro homem por baixo... Pés enormes... Pernas finas e longas... Cabeça pequena... Um machado na mão... Um sorriso no rosto... Suor... Estava tenso.



A jovem devia ter tentado fugir, mas os outros dois já arrastavam-na de volta...


O que segurava o machado aproximou-se dela sorrindo enquanto os outros a seguravam. Ela não estava com medo, mas agitava-se loucamente para livrar-se deles... O do machado curvou-se em sua direção quando ficou próximo e analisou seu rosto. Após largá-lo, um dos homens a soltou. O outro passou a segurá-la pelos dois braços.



Tum...


A jovem caiu no chão de joelhos tentando respirar ainda segurada e amarraram seus braços ao corpo...




Tum swish...


No chão, tonta, rasgaram ainda mais seu vestido...

Os dois homens desarmados avançaram para as pernas da jovem mas não pude ver o que se passava já que o homem do machado encobriu minha visão com seu rosto.


Um olho...

Outro olho...


Nariz...



Chão... Distanciando...

Meu rosto esquentou... Depois senti uma brisa fresca...


Vi o céu girar e girar... Senti um encontro forte e o frio úmido da lama, e passei a ver apenas o rosto da jovem. Ao fundo os corpos dos outros dois homens movimentavam-se de encontro ao seu cheios de suor... Também sorriam de forma estranha...


Os olhos da jovem estavam vazios... Pesados... Escuros... E escureciam mais...

Seu rosto foi aumentando até que seus olhos ocuparam minha visão totalmente...

E veio a escuridão... Um calor aconchegante... Uma tensão nos braços... Algo quente se esfregando entre minhas pernas e revirando meu interior num entra-e-sai frenético... Era estranho, mas... Bom...



Novamente tive visões de homens tentando me agarrar... Parte do meu interior agitou-se de um modo desconfortável... Era um calor diferente... Um calor mais... Selvagem...


Raiva... ?


Não. Era mais forte...

Ódio...




De repente o movimento entre minhas pernas parou...

AAAAAAAAAAAA - gritou um dos homens atrás de mim junto de algumas palavras.


A tensão nos braços foi diminuindo conforme tentava me erguer... Apoiei-me pelas mãos... Tentei me apoiar com os pés...

Os olhos da jovem eram tudo o que eu via... No brilho deles eu via árvores, escuridão e os homens com uma expressão encolhida.


Senti algo bater em minhas costas e espalhar uma dor local queimante... Vacilei um pouco mas logo a dor passou. Tentei me virar para ver... Era o homem do machado novamente, cheio de terror... Meu interior agitou-se novamente como se gostasse de sua expressão e involuntariamente fui em sua direção cambaleando...

Tum-tek...


Virei-me para trás... No chão jazia o machado coberto por uma mancha escura que escorria em minha direção... Seguindo a mancha vi meus pés... Minhas pernas... Meus joelhos... Um resto de pano... Estavam brancos e enlameados... A mancha negra subia pelo meu corpo e se esgueirava até minhas costas.



Então eu... A jovem... O que estava acontecendo?



Por um momento minha visão oscilou... Meu rosto se esquentou fortemente, mas não houve dor, e deixei de ver meramente por reflexos... Tudo estava mais nítido.


Nítido...

Pelo reflexo do machado brilhante vi algo se mexer... Aproximei-me para ver melhor...

Meu rosto... Um rosto branco e sem expressão... Não havia cabelo... Via apenas uma maça escura e disforme. Era como minhas mãos...



Mãos...

Estavam escurecendo... Uma névoa negra avançava até a ponta dos dedos, mas ainda dava para vê-los.


Por um momento senti uma sensação diferente daquela selvagem de antes. Era algo mais pesado.

Não...

Não...? De onde viera aquela voz?

Olhei para o céu em busca de respostas.

Meu interior pesou por um momento e aliviou-se.




Quando baixei o olhar para meu entorno percebi-me sozinha entre as árvores.



Os homens haviam fugido.




Estava só... Eu e a lama seca em meus novos pés brancos...





Uma brisa agitou a copa das árvores.